Escola Alternativa

Hustana Vargas e Zaia Brandão

[esta escola] é um espaço de diálogo

Apresentação

       O texto que se segue pretende descrever uma das escolas alternativas, investigadas pelo SOCED, com base nas informações obtidas no site da escola e nas informações colhidas junto à direção, quando retornamos à escola (em 2006) para iniciarmos a pesquisa de campo. Traçamos, além disso, um resumo das respostas obtidas nos questionários do SOCED aplicados aos pais, alunos e professores da 8ª série no ano de 2004. Nosso objetivo é consolidar um conjunto de informações que possa servir como pano de fundo da análise a ser desenvolvida a partir da pesquisa de campo retomada em 2006 e que deverá focalizar o clima escolar e os fatores que contribuem para a construção da qualidade do ensino.

        Nesta escola, criada em 1969 como filial de uma Escola Experimental de São Paulo, as famílias são claramente mais abastadas: os pais alcançaram níveis de escolaridade e renda mensal mais elevados do que os pais da outra escola da mesma categoria investigada pelo SOCED. Também entre os alunos há diferenças, como por exemplo nos percentuais de repetência: enquanto nesta escola 24% já foram repetentes, na outra escola este percentual é de 48%, elevado, sobretudo quando comparado com a taxa média de 16% repetência dos alunos das nove escolas investigadas. O trabalho de campo permitirá um maior detalhamento dessas singularidades.

A escola na página da Internet

        Apresenta-se em seu site como uma sociedade sem fins lucrativos gerenciada por professores e funcionários1, tendo representado um projeto inédito no país quando da sua fundação. Formar alunos conscientes da importância da sua ação transformadora do mundo a sua volta é o objetivo explicitado pela escola, que noticia também a presença do Projeto Ética e Responsabilidade Social Período Integral, em que os alunos participam de oficinas e promovem eventos com o objetivo de auxiliar a uma ONG.

        A análise da página da Internet da escola, bastante completo, indica além de uma forte abertura da instituição para as questões sociais e da atualidade, uma significativa movimentação da comunidade escolar. Além dessas características mais gerais, oferece alguns elementos importantes sobre os valores que fundamentam o projeto pedagógico da instituição:

        Uma atenção especial é dada à leitura, visível pelo amplo elenco das obras adquiridas pela biblioteca para o início do ano letivo. Aliás, essa importância também ficou clara na visita que fizemos à outra escola alternativa: dos murais espalhados por todo espaço escolar, aos quadros afixados nas salas de aula os comentários, desenhos e opiniões referiam-se a leituras e livros. Nas salas de aula estavam afixadas as avaliações dos alunos a respeito da leitura mais recente da turma, com desenhos de rostos sorrindo, sérias, aborrecidas etc. depois do nome de cada um dos alunos. No caso da página da Internet entre as obras recém adquiridas estavam autores nacionais consagrados na área da literatura infanto-juvenil, a obra completa de Mário Quintana, a assinatura de revistas de opinião como “Caros Amigos”, além de outros títulos e autores clássicos no âmbito da literatura nacional e internacional. Fica óbvia a preocupação da escola com a formação de alunos leitores, inclusive pela existência de um Boletim Informativo da Biblioteca, o que por si só já indica a intenção de criar um canal específico de comunicação com o público escolar. Os alunos-leitores resumem, comentam e ilustram obras, como se pode ver no Novidades da Biblioteca. Outra forma de incentivo à leitura pode ser observada na notícia sobre a visita de um autor e ilustrador de livros infantis, ao colégio, para conversar com as crianças. Com um acervo permanentemente atualizado e diversificado, a chamada para o boletim - acompanhe nosso trabalho através dos boletins informativos da biblioteca e comunique-se conosco pelo email – deixa evidente o papel ativo da biblioteca na vida da escola.

        A escola promove debates. O último listado da página da Internet foi uma aula-debate marcando a abertura do ano letivo de 2006. Tema: “Chega de impunidade no campo e na cidade: caveirão, massacre em Eldorado de Carajás, chacina na Baixada”. Os debatedores foram um professor e pesquisador, uma advogada e representante do MST. Anteriormente, em outubro de 2005, um psicanalista falou sobre a questão da droga e o papel da família. Os dois temas revelam características do projeto educativo desta escola: preocupação com o contexto social de desigualdade e atenção às questões que afetam/ ameaçam os jovens. A escola tem como objetivo claramente explicitado a formação de cidadãos conscientes.

        Vestibular: no ano de 2006, a escola publicou um anúncio em uma revista semanal sobre o êxito de seus alunos nos vestibulares das instituições mais concorridas do Rio de Janeiro, dentre eles o 1º lugar em Medicina na UFRJ. No ENEM de 2005, a nota média com correção de participação2 do colégio foi 70.53 (a da outra escola alternativa foi 66.05). O tema do sucesso da escola no vestibular esteve presente outra vez em nossa recente visita ao retomarmos o trabalho de campo. Na ocasião, ficou evidente o sentimento de “vitória” que as coordenadoras do ensino fundamental expressavam, ao mesmo tempo em que comentavam algumas mudanças no perfil das expectativas dos pais dessa escola. Antes havia uma preocupação maior com que a escola os ajudassem a “se fazer como sujeitos” e menor com os conteúdos. “Hoje os pais exigem mais qualidade de ensino”.

        Outras características da escola merecem destaque: há um número significativo de ex-alunos artistas em várias áreas. A escola atrai ainda filhos de jornalistas, professores, profissionais liberais e das áreas da psicologia, entre outros. Na seção Em Livros da página da Internet da escola são listados livros de vários estilos que fazem referência à escola (turismo, memórias, acadêmicos na área de administração e direito, artes). Festas de formatura e comemorações são anunciadas e fotos indicam a presença de um bom público nessas ocasiões. No espaço Sobre Ex-Alunos, a página da Internet apresenta endereços eletrônicos de empreendimentos profissionais de ex-alunos como: estúdio de gravação e selo para artistas independentes, rede “bed and breakfast”, artes plásticas, turismo de aventura. Esse tipo de empreendimento expressa claramente encaminhamentos profissionais “alternativos”, ou seja, não tradicionais. Em 2006, o valor da mensalidade da 8ª série era R$816,00 e o da matrícula, R$450,00. Na outra escola alternativa estes valores são, respectivamente, R$942,30 e R$700,00.

        O clima escolar é muito acolhedor. Desde a primeira etapa da pesquisa, quando apresentamos o projeto e aplicamos o survey, fomos muito bem recebidas e encontramos interlocutores atentos e interessados na pesquisa do SOCED. O colégio, estabelecido em imóvel amplo adaptado gradativamente para a função, apresenta instalações bem cuidadas e transmite sensação de vida e alegria. As instalações foram significativamente ampliadas pela construção de novos prédios no terreno ocupado pelo colégio, em um bairro com bela vista do Rio de Janeiro. Entretanto, no dia da aplicação dos questionários ficou evidente a inadequação dos espaços das salas de aula em que estavam as duas turmas de 8as séries. Os adolescentes espremidos entre as carteiras, ao menor movimento pareciam deslocar as fileiras. Isso não perturbou o mesmo tom amistoso da parte dos alunos, que responderam aos questionários sem grandes dúvidas. Um deles já era ator, e o fato foi comentado; pelo visto, fazia sucesso em algum programa que não soubemos localizar. Os jovens circulam pelas escadas em uma movimentação ruidosa, mas normalmente bem educada.

        Presenciamos numa das vezes, na hora de saída do 1o segmento do ensino fundamental, uma repreensão do encarregado da portaria a um menino dos seus 11 ou 12 anos que havia se comportado mal (não percebemos inteiramente a razão, mas sim que o problema envolvia um ambulante próximo ao portão externo). O porteiro demonstrou segurança e autoridade ao obrigar que o menino ficasse no pátio da escola, não permitindo que ele comprasse a mercadoria com o ambulante. Durante a mudança de turno algumas kombis de transporte escolar entram na escola, mas na rua - uma ladeira estreita - a movimentação intensa dos veículos, embora provoque um certo tumulto, é orientada por um funcionário da escola, garantindo o fluxo dos carros. Pudemos nas ocasiões que fomos à escola observar nesses funcionários atitudes gentis mas firmes, seja com os alunos, seja com o público que circula no entorno escolar. A forma como cumprimentavam e eram cumprimentados indicava um clima amistoso.

Sobre o survey.

        O banco de dados da pesquisa das nove escolas foi produzido a partir do material de 850 questionários de alunos das 8as séries das 9 escolas, 397 pais e 144 professores. O baixo retorno dos questionários dos pais e professores recomenda a relativização das respostas, no momento da análise. Como o formato dos questionários procurou cercar alguns construtos (clima escolar, apoio aos estudos, perfis sócio-demográficos, relações entre os agentes educativos etc.) através de questões equivalentes nos três instrumentos, as análises foram desenvolvidas articulando as respostas dos três grupos de agentes. Um dos membros da equipe do SOCED em sua dissertação de mestrado procurou explorar as possíveis diferenças de perfis entre os pais respondentes e não respondentes a partir de dados dos filhos (Mandelert: 2005). Segundo a autora a comparação de algumas freqüências estaria sugerindo que os alunos cujos pais não responderam os questionários “teriam características de uma relação mais instrumental com a escola, marcada pela valorização do resultado escolar e não pela qualidade dos processos de ensino-aprendizagem” (ibid, p 42). Esta hipótese será aprofundada na continuidade da pesquisa.

        No caso dos professores pedimos ao colégio uma lista completa de docentes com dados sobre idade, instituição de origem, tempo de formado, ano de ingresso na escola entre outros, com o objetivo de preencher algumas das lacunas do nosso material. Com o nosso retorno ao campo porém, além das entrevistas previstas com os agentes educacionais (professores e pais, principalmente) temos procurado complementar as informações disponíveis.

        Os dados apresentados a seguir, referentes a uma das escolas alternativas, estão sempre comparados aos dados médios das 8 outras escolas investigadas. Destacamos especialmente aqueles dados que distanciam a escola do conjunto.

FAMÍLIAS

        As famílias dos alunos desta escola apresentam um perfil menos convencional, o que parece consistente com a escolha de uma escola que também se apresenta com uma proposta alternativa aos modelos tradicionais. Dos pais que responderam o questionário 36% são casados e 27% têm uniões consensuais (63% e 9% nos outros colégios)3 ; As características sociais e profissionais do grupo deverão ser mais bem investigadas em entrevistas para traçar com mais precisão o perfil destas famílias.

        No que toca aos níveis de escolaridade, 43% dos pais têm nível de mestrado e doutorado (17% nos outros colégios), indicando uma elevada titulação acadêmica. Esta característica parece ser congruente com a suposição de que pais com escolaridade elevada tendem a valorizar a autonomia e liberdade, valores estes que estariam associados à escolha deste tipo de escola. No caso das mães há um perfil bem semelhante ao do conjunto, com 14% (11%) delas com apenas nível médio de escolaridade.

        A importância do investimento familiar na escolarização fica evidente nos 43% das famílias que gastam mais de 16% da renda (29%) com a escolarização dos filhos, sendo que destes 19% gastam mais de 20%, quantia igual a do percentual de pais dos outros colégios. As faixas de renda destes pais distribuem-se de forma bem semelhante às das outras escolas.

        Quanto às razões da escolha da escola destacam-se os seguintes dados: 100% dos pais indicam o método de ensino (82%), 62% pelas relações sociais (41%) e 64% assinalaram não valorizar os resultados no vestibular (43%). Esta última informação não é consistente com os depoimentos que obtivemos por parte da equipe pedagógica do colégio no momento de retorno ao trabalho de campo. A importância conferida aos métodos de ensino e às relações sociais, por sua vez, está coerente com o tipo de escola que se propõe a uma educação com forte ênfase na formação crítica dos cidadãos.

        Quanto às respostas à questão sobre o que a escola deve propiciar: 86% dos pais apontaram sucesso acadêmico (72%) - o que contrasta, da mesma forma que o depoimento dos dirigentes - com a indicação da pouca importância conferida pelos pais aos resultados no vestibular na escolha do estabelecimento; por outro lado, 100% assinala a aquisição de senso crítico (74%), este último objetivo em consonância com a imagem “progressista” que se tem da escola. Curioso verificar que 77% (61%) desses pais assinalaram aprender o valor do esforço e 95% (71%) respeito às regras. Estas respostas podem estar indicando uma expectativa desses pais de que uma ação da escola nesse sentido compense a tendência dessas famílias a facilitar a vida dos jovens (um eventual modelo familiar de superproteção). Destaca-se ainda ser feliz com 73% (59%). Aqui estaria claramente indicado um certo perfil de famílias que vê a escola como uma instituição muito importante na continuidade dos projetos familiares de educação dos filhos em que a escolarização deveria se dar num clima menos disciplinador ou “tradicional”.

        Com relação ao acompanhamento escolar dos filhos, 55% dos pais afirmam só interferir quando o filho pede ajuda (40%) e 15% (23%) afirmam saber como vai mas não acompanhar o dia-a-dia. Os professores são conhecidos por 58% (29%) e 86% (53%) conhecem os coordenadores. Estes dois últimos dados em percentuais bem mais elevados do que os da média das outras escolas parecem estar indicando uma escola mais aberta aos pais.

ALUNOS

        Nas 8as séries 72% são meninos (56%). Do total de alunos respondentes da 8ª série, 96% nunca lêem jornais (64% do conjunto das escolas). Este dado soou estranho para alunos de uma escola que tem por principal objetivo a formação de cidadãos críticos.

        Quanto aos programas de TV, a assistência a shows e clips é de 94% (80%), o que pode ser associado à presença de pais ligados a profissões mais intelectualizadas (psicanalistas, pesquisadores, professores, por exemplo) e famílias de artistas. Na mesma linha, 66% afirma não assistir novelas (36%).

        Dos alunos desta escola 24% já repetiram de ano (13%), sendo que 6% por duas ou mais vezes; 16% estuda mais de 8hs p/semana (6%). Este dado, mesmo referindo-se a uma minoria, surpreendeu e merece ser apurado no retorno ao campo. Cerca de 1/3 deles relata nunca estudar nos fins de semana (20%). Entre os que têm professor particular, 45% o têm por indicação dos professores (11%). Esta indicação das escolas afirmada pelos alunos bem acima da média dos outros colégios merece uma atenção especial na continuidade da pesquisa.

PROFESSORES

        Apenas 8 professores responderam aos questionários, o que aponta para um especial cuidado na relativização dos dados. Destes, 2/3 estão na faixa de 40 a 49 anos. A grande maioria tem apenas o ensino superior . Seria um dos colégios onde os professores têm menos investimento em cursos de especialização: 12% (32%). Apurou-se que desde a origem esta escola deu muita ênfase à formação continuada dos professores, o que parece consistente com uma escola em que os funcionários são os cooperativados. Mais da metade dos respondentes tem 25 anos de formados, enquanto que nos outros colégios eram 36% os que tinham este tempo de formados. Representam os professore que trabalham há mais tempo na escola aqueles que responderam os questionários. Mais de 1/3 deles trabalham em 3 e mais escolas, enquanto 43% dos professores das outras escolas trabalham apenas em uma. Neste grupo de respondentes, nenhum dos professores trabalha só naquela escola e quase metade deles trabalha 40 e mais horas de aula. Destes professores 2/3 consideram os alunos estudiosos e todos os consideram críticos e agitados; sendo que mais de 1/3 os consideram desligados.

        Entretanto, como já assinalamos acima, o baixo índice de respostas dos docentes exigirá da equipe um esforço de complementação dos dados na fase de retorno ao trabalho de campo que apenas se inicia.




1 Utilizamos itálico quando reproduzimos expressões do site da escola. Observa-se que o domínio deste é org. br, diferentemente do das outras escolas.

2 O ENEM não é um exame obrigatório. Para corrigir distorções, o INEP divulga, nesta rubrica”, a nota média da escola caso todos os alunos tivessem participado do exame.

3 O percentual entre parênteses corresponde à média encontrada no grupo das 8 escolas com a qual esta escola é comparada. A partir de agora o percentual entre parênteses sempre se refere à média das 8 outras escolas investigadas pelo SOCED.